HISTÓRIA REGIONAL

COLUNISTA - JOSÉ CLÁUDIO HENRIQUES


BASÍLIO DE MAGALHÃES, MEMÓRIAS DE UM ESCRITOR ESQUECIDO...

 

Basílio de Magalhães faleceu em 14 de dezembro de 1957 na cidade de Lambari Minas Gerais, e naquela cidade repousa grande expoente da cultura mineira que deixou publicado mais de uma centena de livros. Octogenário deixou marcas de sua atuação polêmica nos jornais, nos livros, nos discursos proferidos na tribuna do Congresso e Senado Estadual.
A carteira de identidade de Basílio de Magalhães, expedida em 31 de maio de 1917 traz algumas características de sua fisionomia : tinha 1 metro e 74 de altura, olhos e cabelos castanhos, alem de miopia aos 43 anos de idade apresentava calvície , sua cor era “acaboclada” herança de sua mãe Francisca Leonarda do Nascimento.
As origens de Basílio de Magalhães estão cercadas de mistérios, sobretudo na questão de sua naturalidade, pois o mesmo afirmava ser natural de São João Del Rei no citado documento informa ter nascido em 14 de junho de 1875 contudo o batistério está registrado em livros da Paróquia de Sant’Ana do Barroso do qual esclarece ter o menino  nascido em 07 de junho de 1874 filho de Antonio Ignácio Raposo e Francisca de Jesus, o padrinho que o batizou em 28 de julho foi o português Ladislau Arthur de Magalhães .
Em sessão solene comemorativa ao centenário de nascimento de Basílio de Magalhães ocorrida no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro o filho Augusto Franklin Ribeiro de Magalhães esclarecia:

Quanto ao seu nascimento posso assegurar pelos comentários ouvidos dele mesmo, que verificou-se em São João Del Rei, no dia 07 de junho de 1874, embora o registro civil indique a data de 14 de junho, devendo-se esse atraso de uma semana o fato de que não se esperava que vingasse aquela criança franzina, vinda a luz prematuramente . Um velho amigo da família, o curandeiro Ladislau Arthur de Magalhães assumiu o encargo de fazê-lo sobreviver, mas exigiu que fosse seu afilhado e levasse seu nome à posteridade, porque lhe augurava a glória , em virtude de haver nascido empelicado e aos sete meses .
 
No entanto outra hipótese surge na tentativa de se compreender os silêncios em torno de suas origens. Em “Basílio de Magalhães: Trajetória e estratégias de mobilidade social (1874-1957) Jacqueline das Mercês Silva Pinto revela que ele seria filho do padrinho com a mãe Francisca Leonarda do Nascimento razão pela qual recebeu o nome do padrinho. “Tratando-se com a hipótese de Basílio ser mesmo filho natural de Ladislau Arthur de Magalhães a alteração nos nomes de seus pais pode ser entendida como uma estratégia de ascensão utilizada (...) a constatação de que Basílio de Magalhães não possuía o sobrenome dos pais poderia vir a ser um motivo para tornar publica a suposta condição de filho natural”  A pesquisadora ainda aponta que este recurso foi utilizado pelos filhos de Chica da Silva no intuito de apagar as origens que determinavam padrão de discriminação social.
                  O próprio Augusto Franklin de Magalhães informa sobre o avô paterno “poucas vezes se referia ao pai Antônio Ignacio Raposo e de que o mesmo teria abandonado o lar deixando-o a responsabilidade do filho”. Existe apenas uma referência ao pai dele quando ainda residiam em Barroso no ano de 1878, ocasião em que o pai foi intimado a prestar esclarecimento à justiça por ter desviado o curso natural de um córrego prejudicando as mulheres que se beneficiavam do mesmo para uma lavanderia .
Não foi localizado certidão de óbito do pai de Basílio de Magalhães em cartórios na cidade de Barroso ou São João del Rei, no entanto, a mãe Francisca Leonarda faleceu aos 71 anos de idade na cidade de São João de Rei em 01 de setembro de 1903. Residia na Rua Pau d’Angá localidade que no século XVIII era reduto de escravos e que alimentou diversas lendas de que o lugar era mal assombrado. Os versos do poema de Modesto Paiva “A sombra do Enforcado” publicada em 1892 traduz um pouco deste imaginário: “Jesus, que casa assombrada! coitado de quem for lá...junto à subida chamada ladeira do Pau D’Angá” .
                 Um aspecto da personalidade de Basílio foi registrado no jornal Pátria Mineira em 23 de fevereiro de 1893 “mas porque gostei sempre da vida sedentária e foi sempre meu costume viver quase isolado” nesta época de sua juventude já se encontrava na cidade de São Paulo e refugiou-se nos estudos e concursos públicos, o magistério surgia-lhe como forma de sobrevivência e foi assim que o professor casou-se com a aluna de nacionalidade paraguaia Flavia Marcelina Ribeiro, na cidade de Jacareí em 04 de junho de 1895. Uma passagem narrada pelo filho Augusto revela aspectos íntimos deste grande homem e sua convivência familiar:

“nossa casa possuía um terreno muito grande e papai se dedicara à criação de galinhas de raça, tinha um zelo enorme pelo seu plantel e cuidava pacientemente das ninhadas. Aquela noite, ao retornar do clube Campineiro, ainda bastante achampanhado pelos brindes a Campos Sales, notou que faltava, numa das chocadeiras, uma gaveta com pintos de estimação e como chovia bastante, não teve dúvida em ir buscá-los acomodando-os dentro da cartola e abrigando-os na casaca, e mamãe a comentar: ah se o presidente te visse assim!

Dotado de um senso de humor critico nem mesmo na cerimônia de casamento de um de seus filhos em 10 de agosto de 1925 deixou de questionar o sacerdote que em sua homilia afirmara: “sede fieis um para com o outro, vivei santamente para continuardes a viver assim no céu”. Terminada a cerimônia dirigi-me respeitosamente ao celebrante italiano e perguntei-lhe si desconhecia a existência do versículo 30 capitulo 22 do evangelho de São Mateus, onde Cristo diz que no céu não há sexos, não há mulheres nem homens, não há macho nem fêmea. O sacerdote ficou estarrecido diante da minha pergunta“ . Em épocas que se discutia no Congresso as emendas religiosas revelou-se guerreiro na luta de seus ideais e na defesa do Estado Laico, mais uma vez a sua ironia prevalecia:

Comparo o caso das emendas religiosas, Senhor presidente, com aquilo que aconteceu outrora a um jesuíta que precisava de uma cruz. dirigiu-se ele a um carpinteiro, a quem pediu primeiro uma tabuinha comprida, depois outra mais curta e por fim um prego que rogou ao bondoso operário cravasse nelas, em ponto que indigitou intrigado com o caso, que nunca lhe acontecera perguntou o carpinteiro ao padre: porque não me pediu logo vossa Reverendíssima que eu fizesse e lhe desse uma cruz? E o ignaciano lhe respondeu: porque se eu assim procedesse-vos não a faria e nem m’a daria. Foi o que ocorreu com as emendas religiosas, pediu-se primeiro uma tabuinha... porque o resto viria depois
  
Embora tenha declarado no congresso não ser católico apostólico romano, não se interferiu na educação religiosa de seus filhos: “Senhor Presidente em minha cidade natal há um colégio de frades franciscanos que é frequentado por um filho meu porque sendo minha mulher católica apostólica romana é ela quem dirige a educação da prole” . Um fato curioso, se observa a partir da doação de 100.000 para as obras da Igreja Matriz de Sant’Ana do Barroso em julho de 1928 conforme anotação do livro de contabilidade da paróquia, folha 14, o que demonstra a consideração com o povoado em que nasceu e conviveram seus antepassados.
 Bateu-se também com médicos embora não tivesse formação na área, longe de um pedantismo Basílio revelava sua erudição e senso de humor, é seu filho Augusto quem anuncia o fato:
Estava ele, uma vez entregue a seu trabalho, quando se acercou um dos membros de outra comissão e pediu ao Dr. Miguel Osório de Almeida, seu companheiro, que como médico lhe desse uma definição de hérnia . Respondeu este: ‘é a projeção de um órgão fora de sua cavidade natural.’ Papai sempre irreverente, levantou a cabeça e quando o consultante agradecia, fez-lhe um sinal e pôs a língua de fora. Escandalizado, perguntou o Dr. Miguel Osório porque fazia aquilo, ao que ele respondeu prontamente: - é a projeção de um órgão fora de sua cavidade natural...e não é hérnia! Compreendendo o alcance do gesto, quis o médico saber o que faltava a sua definição, ao que respondeu Basílio: - é a projeção mórbida.
Contudo foi durante as divergências políticas que mais demonstrou sua personalidade e força de sua argumentação. Os adversários políticos de Basílio de Magalhães na cidade de São João del Rei, inconformados com a derrota nas urnas  não hesitaram em chama-lo de mentiroso e buscaram na paróquia de Barroso seu batistério e com isto uma forma de desestabilizá-lo politicamente:

(...) Esquece-se ele de que vivo está o signatário do documento, vivos também se acham o seu padrinho Sr. Ladislau Arthur de Magalhães e o Cel. Gustavo Augusto Meireles, irmão de sua finada madrinha, estes para mostrarem no Cangalheiro, o lugar onde existiu a casa em que nasceu o nosso herói, e aquele para exibir o livro que lá se acha nos arquivos da Paróquia de Barroso a desafiar aqueles sete que aparvalhados tem as suas vistas, ofuscadas pela divina grandeza do havana... 
Basílio de Magalhães respondia com gracejo “o Cangalheiro não tem margens plácidas e mais, nós que ali honestamente mourejamos fazíamos cangalhos somente para alheios lombos” Foi em virtude de sua eleição ao Senado que fez uma visita a Barroso em 23 de abril de 1922. O telegrama de felicitação do padrinho chegaria em 22 de maio:
Em Barroso foi Basílio de Magalhães recebido ao espocar de foguetes e ao som da banda de música local, tendo sido saudado ali pelo seu velho e querido amigo professor Arthur Mourão que pronunciou um carinhoso discurso, ao qual o nosso diretor respondeu, recordando os ataques ineptos que tem sofrido dos seus pequeninos adversários, que sempre timbraram em querer ridicularizar aquele pitoresco arraial, particularmente o arrabalde do cangalheiro.

Este foi Basílio de Magalhães, polemico irônico e, sobretudo erudito, chegando a pertencer a 27 instituição culturais, talvez sua maior frustração seja a de não ter ingressado na Academia Brasileira de Letras, obtendo poucos votos em sua candidatura em 1935. Outra frustração da qual não houve revide foi a necessidade de dispor de sua preciosa biblioteca por questões financeiras. Quando a doença acometeu-lhe também não houve resistência, aos 63 anos de idade apresentava quadro de arteriosclerosose. Na cidade de Lambari onde se refugiou para tratamento de saúde o doutor Jose Benedito Rodrigues que o acompanhou nos momentos derradeiros assinalou: “Aqui conviveu por alguns anos, fazendo grandes amizades, com seu boné cinza metido quase até as orelhas e óculos quase pregado as páginas do Estado de São Paulo, era assim que sempre o víamos na farmácia do Mario Santoro, ou com este palestrando, e nos últimos anos estendido em sua cadeira no alpendre de sua casa, aprofundado em leituras ou divagações filosóficas” .

Referencias bibliografias
CINTRA, Sebastião de Oliveira. Nomenclaturas de ruas de São João Del Rei, 1988
BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Discursos Proferidos pelo deputado Basílio de Magalhães em 01/10/1925; 12/10/1925;
GUIMARÃES, Fabio Nelson. A vida de Basílio de Magalhães. Jornal Ponte da Cadeia 28 de julho de 1974 numero 333
_________________________. A vida de Basílio de Magalhães. Jornal Ponte da Cadeia 16 de junho de 1974 numero 327
MAGALHÃES, Augusto Franklin Ribeiro de. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro. v. 315.p.251-282.mar/abril 1977.
PINTO, Jaqueline das Mercês Silva. Basílio de Magalhães: Trajetória e estratégias de mobilidade social 1874-1957. Monografia de pós-graduação em História de Minas Gerais. UFSJ, 2005.
SILVA, Wellington Jose Tibério. Basílio de Magalhães Considerações Acerca de suas Origens. Informe Academia de Odontologia do Rio de Janeiro ano 11 nº19 2007

SILVA, 2007 p.25

MAGALHAES ,1977 P.251

PINTO,2005 p.21

SILVA,2007 p.30

Registro de óbito do Cartório de Registro Civil livro 9 folha 68 termo 196, foi sepultada no cemitério do Rosário pois era irmã da Venerável
Confraria de Nossa Senhora do Rosário.

CINTRA,1988  p.16 

GUIMARÃES,1974 p.1

MAGALHAES,1977 P.

Discurso proferido por Basílio de Magalhães em 01/10/1925

Discurso proferido por Basílio de Magalhães em 12/10/1925

Discurso proferido por Basílio de Magalhães em 01/10/1925

MAGALHÃES,1977 p.

SILVA,2007 p.28.

Discurso proferido por Basílio de Magalhães na sessão de 10/06/1924

SILVA,2007 p.27

GUIMARAES, 1974 p.2

 

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