HISTÓRIA REGIONAL

COLUNISTA - Francisco JosE dos Santos Braga


NATAL E REIS MAGOS NA GRÉCIA E NA ESPANHA


Por Francisco José dos Santos Braga


I.  INTRODUÇÃO

  
Para tratar da época natalina no mundo, escolhi dois países de enorme religiosidade e tradição: a Grécia e a Espanha. 

Na Igreja católica a vigília do Natal é comemorada no dia 24 de dezembro. Nas Igrejas greco-católica e ortodoxa, que se utilizam do calendário juliano, isso ocorre no dia 6 de janeiro, e na Igreja católica do rito armênio, no dia 5 de janeiro. O Natal propriamente dito cai no dia 25 de dezembro para os católicos que seguem o calendário gregoriano (cuja reforma foi promovida pelo Papa Gregório XIII, em 1582 d.C., para, de novo, fazer o ano civil coincidir com o ano solar), enquanto o Natal ortodoxo cai no dia 7 de janeiro, porque a Igreja ortodoxa segue o calendário juliano com o seu ano solar (criado por Júlio César em 45 a.C.).

A palavra "vigília" provém da língua latina e significa vigilância. Antigamente havia na Igreja o costume de, no dia anterior às principais solenidades, obrigar o jejum, e os fiéis aguardarem, a noite toda, essa solenidade, rezando e velando conjuntamente.



Feliz Natal! Eftichisména Christoúgenna! 
Bom Natal para todos! Kalá Christoúgenna se ólous!

Na Grécia, no dia 24 de dezembro as vizinhanças são acordadas pelas campaínhas das portas, acionadas por crianças de todas as idades em duplas ou em pequenos grupos que perguntam se podem entoar as canções de Natal (kálanda) nas casas com seus triângulos metálicos (trígona) anunciando o nascimento de Cristo. (Kálanda provém do latino calendae, que designa o primeiro dia do mês, no calendário romano.)  Geralmente essas crianças nunca saem de mãos abanando dessas casas visitadas: ou ganham doces ou dinheiro. Segundo a tradição, o ato de abrir a porta da casa para as crianças cantarem traz boa sorte e prosperidade. Esse costume é geral: acontece desde nos pequenos vilarejos até nas grandes cidades. 

Exemplo de kálanda no YouTube (música e verso tradicional, território pan-helênico): 
https://youtu.be/nSnhvgsTa04

Minha tradução para Kálanda Christougénnon:

Boa noite, soberanos,
e, se for vosso comando,
o divino nascimento de Cristo,
possa eu entrar em vosso solar:

Cristo nasce hoje
na cidade de Belém
os céus ficam serenos
toda a natureza se alegra.

Na caverna nasce
no estábulo dos cavalos
o rei dos céus,
o criador de tudo. 

Canta uma multidão de anjos
o "Glória nas alturas",
e isto seja digno,
a fé dos pastores. 

Da Pérsia vêm
três magos com os presentes,
uma estrela brilhante os conduz
sem perder a hora.

Até recentemente, em lugar da árvore de Natal, na Grécia o que representava o Natal grego era um barco de pequeno porte enfeitado com luzes e bolinhas coloridas.

A ceia do dia 24 de dezembro é bem farta, com muitas frutas, Christópsomo (o pão natalino), cordeiro e peixes. Não há distribuição de presentes nesse dia, nem missa. Alguns pratos comuns tanto nessa ceia quanto na passagem do ano, a saber: o roscão de São Basílio ouÁghios Vassílis (a figura central do Natal grego, o santo mais popular da Ásia Menor, sendo o que distribui presentes para as crianças em 1º de janeiro, dia de comemoração da morte do santo), a Vedette, os melomakáronas e os kourabiedes.

Sobre essas iguarias, cabe lembrar que o roscão de São Basílio é um pão onde se esconde uma moeda, com a crença de que quem a encontra terá um ano próspero. A vedette é um biscoitinho oval oferecido a amigos e vizinhos, simbolizando a partilha. Melomakárona são biscoitinhos à base de mel, perfumado com canela e cravo e decorado com as raspas de laranja, servidos no fim da ceia. Kourabiedessão saborosos biscoitinhos amanteigados de baunilha polvilhados com açúcar em pó. EChristópsomo é um pão feito com grandes uvas doces e decorado com uma cruz esculpida na crosta superior antes de ser assado. No dia de Natal, o chefe da família faz o sinal da cruz sobre o pão, corta-o e dá um pedaço a cada pessoa na mesa de jantar.
Christópsomo (pão natalino) e frutas secas

Como se vê, a celebração natalina grega é bem sóbria, não há árvore de Natal, luzes ou meias sob a lareira ou na janela. Em algumas aldeias a decoração não passa de um arranjo de maçãs gratinadas com mel no centro da mesa.

A festa da Teofania, comemorada a 6 de janeiro, encerra as festividades natalinas na Grécia. Segundo as crenças ortodoxas, 6 de janeiro é o dia do batismo de Jesus (diferentemente do Brasil que na mesma data comemora os Reis Magos). Daí a associação dessa data com a água.

Definitivamente esta é uma festa religiosa totalmente grega, celebrada para e por gregos ortodoxos, não para turistas. A Epifania também é chamada de festa das Luzes (gr. Fóta). Por isso, neste dia os Gregos se cumprimentam com os votos de "Boa Iluminação!" (gr. Kalí fótisi!).

Este dia adquire um significado especial para os Gregos, quando se celebra uma cerimônia de bênção das águas e dos barcos que as singram. Todas as cidades costeiras ou banhadas por rio organizam suas próprias cerimônias. A de Atenas se realiza no porto de Piréus, onde um sacerdote lança um grande crucifixo às águas do porto. Jovens valentes, que não temem o frio, competem entre si para recuperá-lo. Uma vez finalizada a cerimônia da cruz, os pescadores locais aproximam seus barcos do molhe, para serem benzidos pelo sacerdote.



Feliz Natividad!
Felices Pascuas de Navidad! 

O Natal na Espanha é um dos mais peculiares entre os países de maioria católica.

A noite do dia 24 é chamada de Nochebuena, momento em que se reúne a família para uma farta ceia, geralmente composta de paella, obviamente, mariscos, aves e doces à base de mel e nozes. Não há troca de presentes nesse dia e à meia noite os mais religiosos vão à Missa do Galo. No dia seguinte, reúne-se a família mais uma vez para o almoço de Natal. Em algumas regiões o prato principal é cordeiro; em outras, caldos e mariscos. Na Catalunha, comemora-se o dia 26 de dezembro, Dia de São Estêvão, mais importante que o Natal.

Uma tradição comum a todo o país é a montagem de presépios, lá chamados de belén. Próximo a estes, as crianças se reúnem para cantar villancicos, canções natalinas acompanhadas de pandeiros, gaitas e flautas, indicando obviamente uma influência árabe.

A data mais estranha da comemoração natalina espanhola é o 28 de dezembro, Dia dos Inocentes, relembrando o massacre de crianças com idade de até dois anos ordenado por Herodes no período do nascimento de Jesus. Nesse dia as crianças saem às ruas pedindoaguinaldo, que é presente em dinheiro. Nesse dia também é permitido mentir, correspondendo ao nosso 1º de abril.

Também o Papai Noel às vezes é detestado; mais queridos mesmo são os Reis Magos que presenteiam as crianças apenas no dia 6 de janeiro. A celebração começa na Noite de Reis, dia 5 de janeiro, quando as crianças deixam tigelas com água nas janelas, com o intuito de matar a sede dos camelos dos Reis do Oriente, que, em retribuição, deixam presente no lugar da tigela. No dia seguinte come-se a Rosca de Reis, uma torta com um presente dentro, que é considerado sinal de sorte a quem o encontra.



II.  Texto natalino grego: A mesa natalina (pp. 22-25)

Por Nina Kokkalídou-Nachmía 
Tradutor da língua grega: Francisco José dos Santos Braga 

Acabamos de voltar da igreja. Como diz a canção: "flocos de neve estão caindo". As árvores estão decoradas com neve. Tudo parece natalino. Antes de termos saído para a igreja, a vovó e a mamãe tinham posto a mesa. A massa para fritar os "pasteizinhos" (teganítes) já estava pronta ao lado da lareira. Começamos a lamber os nossos lábios. Imediatamente, a vovó põe na brasa da lareira a frigideira com o azeite. Corta a massa em pequenos pedaços e os coloca no azeite fervente. Os "pasteizinhos" crescem conforme vão sendo fritos. O mel com as nozes estão sobre a mesa. Enfiamos as massas fritas no mel e as comemos. Bebemos nosso leite, desejamos a todos "Feliz Natal" e esperamos...

Chegam os Magos com os presentes. Nosso avô é o grande Mago, que traz os pacotes. Beijamos sua mão e recebemos cada um o seu presente. Felizes e impacientes, abrimos os pacotes para vermos os nossos presentes. Depois, o Mago menor, Filipe, que é xará do vovô, traz os nossos presentes que tínhamos secretamente preparado. Rapidamente os distribuímos. Abraços, beijos e votos... Corremos ao nosso quarto e brincamos com nossos novos brinquedos e deixamos os adultos ocupados em preparar a mesa natalina. Doces fragrâncias enchem a casa. "Cristo esteja em nossa mesa", diz vovó, ao colocar sobre o centro da mesa o pão natalino. Quando tudo está pronto, chama-nos: "Crianças, venham para a mesa!"

Estamos todos bem vestidos. Veio também nossa tia com os nossos primos. Tortas, perus, costeletas de porco! Não sabemos por onde começar. "Deixem um espaço para a sobremesa", diz mamãe. "Não lhes disse de manhã para não comer tantas massas fritas?" (Mamãe chama os "pasteizinhos" de lalanguites; diz que nos lembram das fraldas de Cristo.)

Finalmente, em certo momento saímos da mesa. Lá fora, a neve brilhava na escuridão. Todas as crianças paramos ao lado da lareira e cantamos o cântico escolar:
"Neve na torre da igreja que anuncia o Natal,
neve no campanário, que acordou toda a vila.
Todos para a igreja, para adorar Cristo,
Esta noite brilha a Virgem Maria!..."


III.  Texto natalino espanhol: Grabados: Los Reyes Magos e Tradición cristiana (pp. 2 e 7 de "La Hormiga de Oro" de 1902, 19ª edição anual)
Tradução da língua espanhola: Francisco José dos Santos Braga

Ante-rosto de La Hormiga de Oro, 1902 
- Imagem: Os Reis Magos




GRAVURAS: OS REIS MAGOS

Os orientais chamavam Magos a seus doutores, como os hebreus os chamavam Escribas, os egípcios Profetas, os gregos Filósofos, os latinos Sábios; e esta palavra Mago em língua persa também significa Sacerdote. Em todas estas partes os respeitavam sumamente os povos, tendo-os como depositários da ciência e da religião. A Igreja dá o nome de Reis a estes três homens ilustres com base naquelas palavras de Davi (Sl 71, 10-11): Os Reis de Társis e das Ilhas lhe trarão presentes, / os Reis da Arábia e de Sabá virão oferecer-lhe seus dons /, em prendas de sua veneração, de sua fidelidade e de sua obediência. Também se baseia em uma tradição tão antiga que não é fácil encontrar-lhe princípio, achando-se pinturas antiquíssimas que os representam pessoas coroadas com todas as insígnias da majestade. Acrescente-se a este os testemunhos dos Padres mais célebres da Igreja, como Tertuliano, São Cipriano, São Hilário, São Basílio, São João Crisóstomo, Santo Isidoro, o venerável Beda, Teofilacto e muitos outros. É certo que as nações orientais, quando os reinos eram eletivos, escolhiam reis entre os filósofos; e se eram hereditários, procuravam instruir nas ciências os príncipes, de maneira que pudessem merecer o título de sábios. Assim o observa Platão, tratando da educação dos príncipes da Pérsia, acrescentando que sobretudo a astronomia era estimada como a ciência mais digna dos soberanos.

Tendo, pois, estes três Monarcas, chamados Gaspar, Baltasar e Melchior, observado uma estrela mais brilhante que as ordinárias, julgaram que era aquela estrela de Jacó, anunciada por um profeta como sinal de um Rei que havia de nascer para saúde de todo o gênero humano.

Foram os Magos guiados pela estrela durante toda a viagem, que foi de doze dias, ou vizinho deles; e sabido é de todos como chegaram a Jerusalém, suas relações com Herodes, e sua chegada a Belém, onde, cheios de fé e respeito, prostraram-se aos pés do Menino Jesus e o adoraram, oferecendo-lhe, segundo o costume de seu país, os gêneros mais preciosos e mais estimados que levavam de sua terra: ouro, incenso e mirra.

Há a garantia de que as relíquias daquelas personalidades, primícias do Catolicismo, foram transportadas da Pérsia a Constantinopla pelo zelo e piedade da imperatriz Santa Helena; que, depois, no tempo do imperador Emanuel, foram transladadas a Milão, onde permaneceram 670 anos, até que, finalmente, quando esta cidade foi tomada e saqueada por Frederico Barba-Roxa em 1163, foram conduzidas a Colônia, onde se conservam com singular veneração. 


TRADIÇÃO CRISTÃ

Quando os Reis Magos chegaram a Belém para adorar o Menino Deus, alguns pastores, não tendo que oferecer-lhe, juntavam algumas flores do campo para apresentá-las ao recém-nascido; porém, quando vieram os ricos presentes dos Reis, disseram cheios de tristeza:
— Diante desses ricos presentes de ouro e prata, de que servirão nossas flores? O Menino não se dignará nem sequer olhá-las! 

Mas quando enfim se apresentaram os pastores, o divino Menino, afastando com suas mãozinhas os ricos dons que tinha diante de si, tomou dentre as flores que lhe apresentavam uma margarida dos campos, e levando-a aos lábios deu-lhe um beijo. Desde então as margaridas, que eram inteiramente brancas, tomaram uma cor de aurora e em seu centro levam um raio de ouro, caído dos divinos lábios.
Nosso presépio caseiro, com La Hormiga de Oro e Billiken, vol.1, de 1949, acompanhados de uma coletânea de Lieder de Franz Schubert




IV.  AGRADECIMENTO



Quero aqui registrar meu agradecimento a minha amada esposa Rute Pardini, que, durante todo o ano de 2017 e especialmente neste trabalho, emprestou sua habilidade na tomada e formatação de imagens para os meus blogs.



V.  BIBLIOGRAFIA 




KOKKALÍDOU-NACHMÍA, Nina: "Quando os Gregos festejam: Alexandra conta a suas crianças amigas sobre os feriados do ano" (em grego), Salônica: Instituto de Estudos Gregos Modernos da Universidade Aristotélica de Salônica, 1995, 159 p.

LA HORMIGA DE ORO, Ano XIX, Barcelona, Sábado 4 de Enero de 1902, nº 1, 832 pp.

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