HISTÓRIA REGIONAL
COLUNISTA - Francisco JosE dos Santos Braga
NECROLÓGIO DE JOSÉ SEVERIANO DE REZENDE
Por Francisco José dos Santos Braga
I. INTRODUÇÃO
Meu homenageado nasceu em Mariana, a 23 de janeiro de 1871, filho de Severiano Nunes Cardoso de Rezende, são-joanense, editor do Arauto de Minas, periódico oficial do Partido Conservador no Sexto Distrito Eleitoral de Minas, e de Custódia de Rezende.
No caso de José Severiano de Rezende, a figura paterna foi bastante relevante para a sua formação. Além de escritor e jornalista, Severiano NunesCardoso de Rezende também era professor. Quando José Severiano de Rezende nasceu, seu pai trabalhava como professor de Latim e Francês na escola pública de Mariana. Depois, tornou-se professor vitalício de Português no Externato oficial de São João del-Rei e na Escola Normal da mesma cidade. Segundo Renato de Lima Júnior, o pequeno Severiano de Rezende teria aprendido a “soletrar brincando com os tipos” usados para imprimir o jornal Arauto de Minas, dirigido por seu pai. Em sua formação escolar inicial, percebemos uma ênfase no estudo de línguas, pois, no Externato de São João del-Rei, Severiano de Rezende habilitou-se em Francês, Latim e Português, ênfase que parece ter sido decisiva em sua vida, como se verá no decorrer de nossa exposição. Apenas para dar uma idéia de como a língua francesa o marcou desde cedo, Severiano de Rezende publicou no Arauto de Minas, aos 16 anos, uma tradução da fábula “A cigarra e a formiga”, de La Fontaine, e, aos 17 anos, um poema em francês dedicado a uma atriz francesa que havia atuado em São João del-Rei. Nesse período de sua adolescência, ele estudava no Liceu Mineiro, em Ouro Preto, onde conheceu e se tornou amigo de Alphonsus de Guimaraens.
Primeira versão do necrológio de Philéas Lebesgue para o Mercure de France |
b) Por A NOITE ILLUSTRADA
José Severiano de Rezende in A Noite Illustrada |
Fonte: A NOITE ILLUSTRADA, II Anno, Rio de Janeiro, edição nº 87 de 2/12/1931, p. 8
Imagem do necrológio in A Noite Illustrada |
III. NOTAS EXPLICATIVAS
¹ "Eduardo Prado: paginas de critica e polemica", é acompanhado de uma citação de Balzac: "Le Catholicisme et la Royauté sont deux principes jumeaux". (O Catolicismo e a Realeza são dois princípios gêmeos) O livro é de 1905, publicado por N. Falcone & C. Editores, de São Paulo.
[PAGANINI, 2010, 29] observa que
"O engajamento em lutas políticas era comum. José Severiano de Rezende defendeu o regime monárquico em uma fase de sua carreira e continuou se envolvendo com questões políticas até o fim de sua vida. A defesa que José Severiano de Rezende fez do regime monárquico explica-se, em parte, pelo fato de ser filho de Severiano Cardoso Nunes de Rezende (1847-1920), responsável pelo jornal Arauto de Minas (1877-1889, São João del-Rei), órgão oficial do Partido Conservador no 6º Distrito Eleitoral de Minas Gerais. José Severiano de Rezende iniciou seu trabalho na imprensa no Arauto de Minas e teve participação nas polêmicas que este periódico sustentou com o jornal A Pátria Mineira (1889-1894, São João del-Rei) defensor da implantação da República no Brasil. Em São Paulo, o poeta tomou a defesa do professor monarquista Justino Gonçalves de Andrade no livro Cartas paulistas: artigos sobre a questão acadêmica. As críticas de Severiano de Rezende à República e aos governantes republicanos continuaram no jornal D. Viçoso (1898-1899), periódico diocesano de Mariana, onde publicou, por exemplo, editoriais violentos contra o presidente Campos Sales (20 nov. 1898, p. 3) e outros como o intitulado “O povo vítima” (28 maio 1899, p. 1). Nos seus artigos para o jornal Correio da Manhã (Rio de Janeiro), continuou as críticas aos governos republicanos. Exemplo disso foi “O fúnebre reinado” (15 abr. 1903, p. 1), que tinha como alvo o governo de Rodrigues Alves. O segundo livro de José Severiano de Rezende, Eduardo Prado: páginas de crítica e polêmica, provavelmente editado em fins de 1904, é um manifesto católico-monarquista, escrito em estilo 'art nouveau'.
"
Link: http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/ECAP-8B4PLG
A citação acima refere-se à nota de rodapé 45 na página 29.
² O exemplar que possuo de "O meu flos sanctorum", com 258 pp., é de 1970, editado pela Imprensa Oficial de Minas Gerais, com a seguinte nota:
"Reeditado pela Prefeitura Municipal de São João del-Rei, por ocasião do centenário de nascimento do autor.
23-1-1871 — 23-1-1971"
A primeira edição foi publicada por Livraria Chardron de Lello & Irmão, volume de 348 pp., impresso na Imprensa Moderna, Porto, em 1908 (1ª série). Anunciava-se em preparação a 2ª série, maior ainda.
³ Sobre "Mysterios" de José Severiano de Rezende, o Diário de Minas, edição de 24 de abril de 1921, na Crônica Social, p. 3, nos seguintes termos:
"Mysterios é um livro excepcional, pela novidade dos ritmos, pela bizarria dos temas, pela beleza das rimas; isto, porque já conhecemos várias poesias do florilégio, entre as quais as que formam "Painéis Zoológicos". Quem não se recorda do ritmo compassado e solene, à Marancourt, daqueles sonetos "O Jararacuçu", "O Porco", "O Sapo"?"
[LIMA JÚNIOR, 2002, 127] assim se expressa acerca do livro de José Severiano de Rezende:
"'Mysterios' foi escrito para dar uma explicação órfica à vida, reproduzindo o belo a partir do amálgama das grandes obras-primas do mundo ocidental. Para Philéas Lebesgue, a obra é uma das mais profundas que eclodiram na América desde a conquista. Logo, Alberto da Costa e Silva estava certo ao enaltecer o soberbo equipamento técnico e verbal do poeta que o capacitava a fazer com as palavras polifonia e orquestração como poucos no Brasil conseguiram. Por isso, destaca que a obra é de difícil compreensão.
O volume é verdadeiramente uma autobiografia como supôs Costa e Silva, pois o próprio Severiano a definiu como sendo a história franca de sua vida. No entanto, 'Mysterios' não é um mero espelhamento de uma alma narcisista, e sim o retrato de um arquétipo da humanidade em busca da evolução.
Para André Delacour, o livro é uma epopeia cósmica e mistagógica que segue a linha de Dante em Divina Comédia, passando por Goethe no Segundo Fausto e ainda por Victor Hugo em La fin de satan, antes de chegar a Severiano que estende o perdão ao diabo arrependido. Segundo o crítico, a obra compreende três partes: na primeira, ele percorre os infernos com Baudelaire, através dos sonetos repletos de erotismo; na companhia de Verlaine, ergue-se ao Purgatório na parte central do livro com poemas que revelam remorso e penitência, e, por último, celebra a ascensão das almas com odes grandiosas.
Victor-Émile Michelet * falando desse gênero de epopeia, registra que o espírito visionário domina a situação, envolvendo o assunto em nebulosidades e imprecisões que só um autor de extraordinário talento consegue tornar tais visões inteligíveis. Sendo assim, a composição dessas epopeias, em sua maioria, fracassam, ou se bem sucedidas, como L’Hymne à la Lune, de Saint Yves d'Alveydre, caem no esquecimento, desconhecidas da crítica. De acordo com Anna Balakian, é possível dizer que somente os melhores simbolistas atingiram esse fim, seguindo os ensinamentos de Mallarmé que atribuía aos poetas a missão vocacional de recuperar o sentido misterioso da existência, naquela época envolta em materialismo científico.
Segundo Lebesgue e Delacour, Severiano de Rezende foi iluminado pelo pensamento poético e iniciatório de Dante, ao qual acrescentou todas as aquisições da Teologia e da Mística contemporânea. A partir daí, teria aliado suas concepções à temática poética para escrever uma espécie de Divina Comédia, comprovando que é mestre de sua forma e pensamento. Em vista de todo esse aparato construtivo, Henriqueta Lisboa pôde detectar que Severiano, mesmo sendo simbolista em seus fundamentos, utilizou recursos de várias escolas ou correntes literárias, chegando ao ponto de apresentar inovações que o credenciam como vanguardista antes do modernismo de 22. Anelito de Oliveira acrescenta ainda que a obra revela alguma afinidade com o Modernismo ao deixar pulsar uma ironia que questiona a forma e elabora uma linguagem nova, apesar de manifestar o desejo classicizante e europeizante dos simbolistas e parnasianos.
Pela leitura filosófica de José Mauricio de Carvalho **, Mysterios revela a face metafísica e espiritualista do autor, trazendo inovações à filosofia tradicionalista brasileira ao acrescentar-lhe uma abertura para a ciência moderna; o reconhecimento das angústias humanas como dimensão importante da vida, e uma relativa valorização das conquistas da civilização, dentre outras inovações. Para o pesquisador, a obra revela a preocupação do poeta em explicar que é a busca interior que prende o homem à existência, visto que só através da interiorização perceberá a harmonia e a ordem divinas presentes no cosmo mesmo diante dos fatos mais disparatados que a sua sensibilidade antes não poderia explicar.
Severiano se valendo de sua própria experiência de vida, mostra que o ser humano é ambivalente e contraditório, já que ao mesmo tempo que busca a razão e a ordem, comporta-se irracionalmente movido por desejos e paixões. Observa que a sociedade deve estabelecer regras para criar uma ordem coletiva capaz de melhor satisfazer os impulsos animalescos mantendo o homem dentro de normas morais. E conclui que o Cristianismo já sistematizou um modelo de bom comportamento através dos santos e que a resposta ao mistério da existência só seria alcançado pela fé, porque a descoberta de Deus não resolve o mistério, ainda que Jesus Cristo apresente um caminho seguro para a elevação espiritual."
* [LIMA JÚNIOR, 2002, 141] assim se expressa sobre Victor- Émile Michelet (nota de rodapé 237): "Este intelectual francês, amigo de José Severiano de Resende, foi um destacado cabalista membro dos supremos conselhos das Ordens Rosa-Cruz e Martinista. Colaborou com Papus, Barlet, Marc Haven, Sedir, Péladan, Oswald Wirth e outros, na tarefa de congregar os maiores talentos da época para adaptarem a tradição esotérica ao século XX. Além disso,
"V.-E. Michelet fut dans le Symbolisme en constante résonance avec les plus grands; on pouvait dire de lui que par son activité dans les genres les plus divers, le théâtre, les poèmes, les contes, il fut l'homme de liaison de tous les poètes e prosateurs de son temps: Villiers de l'Isle Adam, S. de Guaita, Barrès et Mallarmé le reconnaissaient comme leur pair, et si Michelet a plu à son époque, c'est qu'il associait intimement dans son œuvre l'esthétique et l'occultisme, et is sut donner à cette dernière discipline une valeur beaucoup plus profonde que celle d'une simple source d'inspiration poétique; pour lui l'ésoterisme se mua rapidement en éthique et en métaphysique, il en fit sa règle de vie à travers toute son œuvre." (BOUMENDIL, 1977:ii)
E mais, Michelet foi ainda presidente da Société des Poètes Français, membro do conselho da Maison de la Poésie da qual recebeu o grande prêmio pelo conjunto de sua obra e fundador da Association des Amis de Péladan em 1920."
** Fonte: CARVALHO, José Maurício de: "Mistério e Existência: a Vida segundo Severiano de Resende" (http://www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/article/view/799/715)
Link: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000334484
⁴ Madame Juliette Gary ficou viúva com o falecimento de José Severiano de Resende.
IV. BIBLIOGRAFIA
CARVALHO, José Maurício de: "Mistério e Existência: a Vida segundo Severiano de Resende", revista Educação e Filosofia, vol.13, nº 25, 123-139 pp., jan/jun 1999.
LIMA JÚNIOR, Renato Rodrigues de: "O refratário e abnegado José Severiano de Rezende", Campinas: Universidade Estadual de Campinas (Instituto de Estudos da Linguagem), dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Letras.
MINENSE, Silvano. "Padre Severiano de Rezende", primeira fase. O Archivo Illustrado, São Paulo, ano 5, n. 33, 1903. p. 251-253.; segunda fase ano 5, n. 34, 1903. p. 260-262.
PAGANINI, Luiz Antônio: Os simbolistas mineiros e o drama da modernidade, tese apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Letras-Estudos Literários pela UFMG.